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O surgimento da Jovem Guarda no Brasil

O movimento da Jovem Guarda, iniciado com o programa homônimo em 1965, revolucionou a juventude brasileira com novos padrões de comportamento e música inspirada no "iê, iê, iê" dos Beatles. Com artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, o movimento deixou um legado duradouro na cultura e música brasileira.

jovem guarda

13 minutos

No domingo 22 de agosto de 1965, acontecia no Teatro da TV Record, em São Paulo o primeiro programa “Jovem Guarda”, cujos apresentadores eram os cantores e ídolos Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. O programa contou também com a participação de diversos outros artistas que constituíam o movimento, tais como os conjuntos Golden Boys, Os Vips e The Jordans, os cantores Jerry Adriani e Prini Lorez, as duplas Deny e Dino e Leno e Lilian.

Um movimento emergiu ali, destinado a revolucionar a juventude brasileira com novos padrões de comportamento, tanto na moda quanto na linguagem. Esse fenômeno também deu origem a uma profusão de músicas inspiradas na fusão de canções italianas, francesas e no estilo "iê, iê, iê" legado pelos Beatles.

Quem viveu aquela época guarda boas lembranças das músicas de letras inocentes, mas de ritmos dançantes que empolgavam qualquer ambiente.

A popularidade do programa era tanta que chegou a alcançar três milhões de espectadores só em São Paulo, de onde era transmitido. Em outras cidades o programa chegava via videotape.

Recordo das apresentações do programa em preto e branco e que aguardávamos todos ansiosos o dia da sua apresentação. Vibrávamos com cada detalhe do programa, da abertura até o final. Foi uma maneira nova de comunicação entre os jovens e veio a consolidar de vez o advento da televisão no Brasil.

Nesse período, enquanto Elvis Presley representava a inspiração internacional, Roberto Carlos já se firmava como uma referência de ídolo nacional. Todos os jovens buscavam possuir fotos, pulseiras, roupas, adereços e miniaturas de carros, uma paixão do grande ídolo das massas naquele momento. Deixamos nossos cabelos crescerem e adotamos a moda das calças boca de sino, juntamente com outros acessórios característicos da época.

O início da era do Rock'n'Roll no Brasil

Vale contextualizar como esse fenômeno de massa surgiu e tomou de assalto a sociedade brasileira, penetrando em todos os lares, do norte ao sul e do leste ao oeste do país. Naquele período, o mundo experimentava uma transformação geopolítica significativa, e o Brasil estava imerso nessa mudança. Recentemente, um governo militar havia se instalado no país, permanecendo por cerca de 30 anos e deixando sua marca nos padrões sociais e no cenário artístico da época.

Desde o final da década de 1950, o mundo já estava agitado ao som do Rock'n'Roll, uma extensão da música negra que refletia a "rebeldia" dos artistas na América do Norte e na Europa. Esse estilo musical encontrou uma grande aceitação nessas regiões, marcado por seu caráter dançante e sensual, que, apesar da desaprovação dos pais, contagiava os adolescentes. Quando o Rock'n'Roll surgiu, a música passou a ser vista como uma expressão de felicidade, feita para dançar, rir, conversar e namorar. Embora predominantemente românticas, as músicas dessa era também carregavam uma rebeldia subliminar. A eletrificação dos instrumentos e o advento da guitarra elétrica ajudaram a marcar a aparição desse gênero musical.

Os criadores do Rock’n’Roll defendiam que ela tinha vindo para soltar o diabo. Para fazer as pessoas felizes, dançarem, se sacudir e se divertir pra valer, uma vez que essa foi uma tendência musical que nasceu afinada não somente com os seus gêneros influenciadores, e sim com outras movimentações do seu tempo – e isso não se aplica unicamente às referências musicais em si.

Aos poucos, composições com letras em português começaram a aparecer e o primeiro o registro do gênero no Brasil se chamou “Rock’n’Roll em Copacabana” que guarda algo curioso em relação ao seu intérprete: Cauby Peixoto, já famoso na época, mas cantor cujo repertório nada tinha em comum com o Rock’n’Roll.

Até aquele momento não havia artistas nacionais de perfil jovem. Na verdade, estes artistas estavam por aparecer e dessa maneira, em 1957, o “78 rotações por minuto” foi disponibilizado no mercado pela gravadora RCA (a mesma que havia contratado Elvis Presley nos Estados Unidos).

Os 78 RPMs surgiram bem no começo do século XX, substituindo os primeiros cilindros no processo de oferta da música gravada no mercado e representaram um importante avanço na medida em que, além de permitirem a reprodução de grandes quantidades de uma única matriz, inauguram o uso dos dois lados do disco. No Brasil, este formato durou até meados dos anos 60, em virtude do aparecimento dos discos de 33 rotações por minuto.

Assim, chegamos à Jovem Guarda, que surgiu no Brasil como uma referência à rebeldia dos anos 50, mas não apenas como uma simples importação da cultura estrangeira, mas como um movimento que refletia a penetração da música jovem no país.

Até então, o som que dominava as “Rádios” eram tristes boleros, sambas que exaltavam a brasilidade dos morros e as intimistas composições da Bossa Nova. Foi durante a jovem guarda que surgiram importantes aparições, como a da cantora Celly Campello, o “primeiro ídolo jovem brasileiro”, que em 1959 invadiu as rádios com sua versão em português de "Estúpido Cupido".

O desenrolar do movimento Jovem Guarda

Nesse processo de consolidação de sua repercussão, a Jovem Guarda também se tornou um espaço para a circulação de produtos criados à sua imagem, como vestuário (botas, calças e jaquetas), brinquedos e adornos pessoais, como óculos, anéis e pulseiras, todos usados e associados aos artistas do movimento. A "invasão" da Jovem Guarda era estampada nas capas das revistas da época, lado a lado com outras manchetes, como a novidade em torno da pílula anticoncepcional e as movimentações russas no contexto da Guerra Fria.

Inclusive, o nome “Jovem Guarda” surgiu a partir de uma apropriação de outra frase, dita pelo líder soviético Vladimir Lênin: “O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada” e a sua autoria é creditada ao publicitário Carlito Maia que, segundo acredita-se, inspirou a denominação do programa da TV Record de São Paulo, apresentado e voltado para a audiência jovem.

Além de todo esse movimento introduzido na música e no comportamento, os jovens passaram a usar gírias introduzidas pelos artistas e aqui uma pequena lista do dicionário “Jovenguardês”:

  • Barra limpa – pessoa simpática
  • Bandidão – rapaz bonitão
  • Barra pesada – indivíduo malandro
  • Bicão – pessoa que quer entrar no grupo e para isso se sujeita a tudo
  • Bidu – coisa ou gente ótima, notável
  • Bolha – bobão
  • Boneca – garota muito bonita
  • Brasa – música agitada, coisa boa
  • Chato – casa apartamento
  • Creu – soco, sopapo, paulada
  • Estar por fora – ignorar
  • Fogueira – negócio muito bom
  • Gata – garota bonita
  • Jovem – Figura – Campeão – usado para chamar alguém, “Oh, figura!”

Além de difundidas por meio da televisão, tais expressões também eram usadas nas letras das músicas, o que fortalecia a sua veiculação cotidiana e a sua penetração definitiva no universo jovem.

A música “É papo firme” gravada por Roberto Carlos e lançada em seu LP de 1966, cuja capa é uma referência direta ao álbum “With The Beatles”, o que demonstra a chamada invasão britânica como influência chave para o movimento, é uma delas.

Outra composição é “Vem quente que estou fervendo”, de autoria de Carlos Imperial e Eduardo Araújo – sendo o último um cantor importante dessa época. A sua letra foi construída a partir do uso de expressões que jamais deixaram de existir no imaginário popular.

A gravação desse sucesso coube ao “Tremendão” Erasmo Carlos que, numa interpretação à altura para a raivosa letra da música, a tornou um dos registros fundamentais da Jovem Guarda.

Essa música foi um marco na carreira de Roberto. Vista de hoje, também é uma das mais representativas da música brasileira dos anos 60 – mas não somente para a produção desta década. No que tange especificamente à carreira do artista, significou uma repercussão sem igual: a imediata conquista do primeiro lugar em execuções radiofônicas país afora, a ponto de desbancar os próprios Beatles, que comandavam as paradas desde que invadiram o mercado norte-americano; seguida das ótimas vendagens dos “compactos” e do “long play” em que fora lançada e da consolidação da audiência do programa Jovem Guarda e, por conseguinte, a afirmação de Roberto Carlos como o maior ídolo da juventude dos anos 60 (momento no qual despontou como “Rei”).

Aliadas à grande audiência do programa da TV Record que, por sua vez, impulsionou as execuções radiofônicas e as vendagens fonográficas, a afirmação dessa linguagem particular de gírias e expressões da Jovem Guarda indicavam que o movimento havia se consolidado. Dessa forma, sua repercussão país afora só fez crescer.

Nessa direção, as versões em português (brasileiro) para músicas populares de outros países colaborou para a difusão da concepção de que estes jovens artistas brasileiros eram, sim, representantes da música internacional. No caso particular de Roberto Carlos, pesava a condição de alguns dos seus sucessos de maior repercussão até então – como “Splish Splash” e “O Calhambeque” serem justamente versões com letras em português de músicas estrangeiras.

Assim, a gravação de versões tornou-se uma das questões de fundo que pairaram sobre a Jovem Guarda nesses anos – ou seja, que se tratava de descabida importação para o Brasil da música de popularidade em países como Estados Unidos, Inglaterra e até na Itália. Daí a ideia da “música popular brasileira com ‘z’”, que constituía a “munição” básica daqueles que repudiavam a música jovem produzida no país naquele momento.

O fim da Jovem Guarda

Fizeram parte desse movimento musical, além dos citados, os seguintes artistas: Wanderley Cardoso, Vanusa, Sérgio Reis, Ronnie Von, Reginaldo Rossi, Jorge Ben Jor, Tim Maia, Trio Esperança, Antônio Marcos, Marcio Greyck, Waldirene, entre outros.

A Jovem Guarda perdeu força enquanto movimento cultural no ano de 1968. Isso se deu a partir da saída de Roberto Carlos do programa que ele apresentava na TV Record. Ele o fez para dedicar-se exclusivamente à sua carreira solo. Com isso, o programa perdeu audiência, sendo encerrado no mesmo ano.

Dessa forma, os membros da Jovem Guarda seguiram caminhos distintos no cenário musical. Alguns ligaram-se ao sertanejo, outros se associaram ao tropicalismo — outro significativo movimento cultural brasileiro — e um terceiro grupo ficou mais vinculado ao rock nacional, com músicas românticas de grande apelo popular.

Ao abordar a relação entre música e juventude, desde o surgimento do Rock’n’Roll nos Estados Unidos até a explosão da Jovem Guarda no Brasil, o objetivo foi conferir aos jovens o papel de protagonistas na história. Esses movimentos musicais foram concebidos como amplificadores dos desejos de uma faixa etária que, até então, estava submetida aos padrões do "mundo adulto", mas que passou a impor uma nova dinâmica de comportamento, uma noa forma de viver e expressar-se através da música.

Em relação especificamente à Jovem Guarda, frequentemente estigmatizada como um movimento de "alienados" já nos anos 1960 (recordemos a célebre "passeata contra as guitarras elétricas", liderada por artistas da MPB em 1967), procuramos reconhecê-la como parte constituinte da cultura brasileira desde essa época. Assim, rejeitamos a noção de "importação" de música estrangeira, destacando em vez disso a popularidade dos artistas, a influência nas programações de TV e rádio, enfim, os elementos que transformaram a Jovem Guarda em um símbolo da música popular brasileira.

As experiências vivenciadas pelos artistas e pelas plateias durante esse período (1965 a 1968) jamais serão esquecidas ou negligenciadas. É importante ressaltar que as músicas da Jovem Guarda continuam sendo frequentemente regravadas, os relançamentos e reuniões comemorativas persistem, e os artistas ainda são lembrados pelo público, indicando que a chama desse movimento continua acesa e relevante.