Quando assistimos um filme estamos cercados de informações valiosas. Uma história está sendo contada para nós e é importante que percebamos todos os detalhes que estão sendo expostos. Assim, gostaria de destacar o valor dos figurinos nas películas cinematográficas, e para isso tratemos de um clássico atemporal, com um estilo marcante e autêntico: "O Poderoso Chefão".
Como o figurino desse filme ajuda o espectador a acompanhar a tragédia da família Corleone? E ainda, como essa obra nos ajuda a refletir sobre como nós, personagens e espectadores, podemos nos vestir também?
Como o figurino nos ajuda a entender Don Corleone?
O sofrido trompete de "The Godfather Waltz" começa a tocar, a valsa lenta já sugere o ar do chefe da família Corleone, um homem maciço e indomável – É assim que começa o clássico "O Poderoso Chefão", de Francis Ford Coppola.
Essa obra-prima conta com a firme presença de seu elegante protagonista, uma das figuras mais icônicas da cinematografia moderna: Vito Corleone.
Temos em tela um trabalho memorável de trilha sonora, ambientação e edição, porém, um dos aspectos mais importantes de todo o filme é o figurino utilizado pelos personagens, em especial os trajes de Don Corleone, tão bem elaborado por Anna Hill Johnstone que foi, inclusive, indicado ao Bafta e ao Oscar de Melhor Figurino no ano de 1973.
Na inesquecível primeira cena do filme temos 4 personagens em tela, todos homens sérios, bem vestidos. Embora a primeira fala não seja de Don Vito, o destaque absoluto que existe é no patriarca, que com sua rosa vermelha na lapela explica, após receber um delicado pedido, o que é respeito, justiça e honra para seus convidados:
“Mas, agora, você vem até aqui e pede ‘Don Corleone, faça justiça.’ Mas não pede com respeito. Não oferece amizade. Nem pensa em me chamar de Padrinho. Vem no casamento da minha filha, e me pede para matar por dinheiro.”
Don Corleone
Aos mais atentos, o traje de Vito Corleone já conta uma história por si só, temos um homem rígido, envelopado num terno que compõe sua imponente presença, também sugerida, um pouco mais discretamente, pela aliança que porta em sua mão esquerda – um detalhe, mas que se não fosse bem pensada poderia pôr toda a construção do personagem em risco.
Don Vito não seria "O Poderoso Chefão" caso aparecesse "desarrumado", com roupas não compatíveis, sem um traje planejado, que transparecesse sua classe social e seus grandes recursos.
Imagine se o imponente patriarca aparece utilizando em sua mão um anel com brilhantes rosas e apenas uma sunga apertada… definitivamente essas peças não comunicam a mesma pompa de um luxuoso traje, elas dariam, inclusive, informações conflitantes a respeito da personalidade do mafioso, que não é um homem desleixado, é alguém preocupado com sua aparência, que deve despertar temor.
A maneira com a qual o patriarca se veste e se porta justifica o temor discreto que todos na sala sentem por ele, um homem que, assim como seu traje, não possui falhas ou inconsistências, mantém-se sóbrio e sério como seu paletó.
Don Corleone aguarda que os pedidos sejam feitos, os erros sejam cometidos, enquanto permanece estático, manchado com a cor vermelha presente tanto na rosa que repousa sobre seu peito, quanto pelo sangue que escorre de suas mãos.
Qual a importância do figurino num filme?
A ideia de que o figurino pode ser explorado como recurso narrativo, no que tange tanto a criação dos personagens em si quanto a intenção de construir um clima específico para uma obra, é fundamental para que não façamos uma leitura rasa desse instrumento.
O figurino possui a capacidade de entregar, através da moda, a síntese da história e da psicologia de um personagem, e ainda, qual a relação deste personagem com o mundo e com os outros ao seu redor, com isso podemos saber o que esperar dele.
O vestuário e o personagem precisam estar em diálogo constante, isso pois ao mesmo tempo que o personagem evidencia sua natureza através de seu figurino, o figurino também deve se alterar conforme variações do caráter e da índole do personagem ou do próprio contexto da narrativa.
Inclusive no longa "O Poderoso Chefão" temos um exemplo dessa condição, uma vez que, ao mesmo tempo que acompanhamos a ruína de Don Vito, vemos também a ascensão de seu filho, Michael Corleone (vivido por um jovem Al Pacino), como sucessor natural do cargo de líder da família, e o figurino nos conta essa história muito bem.
Como o figurino nos ajuda a entender Michael Corleone?
A personagem de Michael possui ao longo do filme uma jornada de reconhecimento e embrutecimento, no sentido de realmente obter poder e influência à medida que ganha voto de decisão e voz nas reuniões da família, após o afastamento de seu pai.
Essa mudança é evidenciada inclusive pelos trajes utilizados pelo personagem, que aparece pela primeira vez trajado de um uniforme militar, simples e abjeto (o que já cria uma percepção acerca da natureza do personagem), evidentemente distante do mundo do crime organizado no qual Don Vito está imerso.
Porém ao decorrer da trama, conforme vai se tornando um indivíduo mais presente e ativo nos negócios da família, o personagem muda seu estilo assim como muda sua personalidade, buscando reafirmar através de todos os meios possíveis que agora ele é possuidor do poder, ele que era humilde e discreto, agora é imponente, utilizando os ternos bem cortados comuns à seu pai, portando gravatas e jóias, como o icônico anel de sinete, peça tradicionalmente vinculada à nobreza, que é utilizada em seu dedo mindinho para evidenciar um cargo de liderança.
Essa jornada do personagem quando bem feita se evidencia por muitos trejeitos e detalhes, a expressão facial do personagem muda, sua forma de falar e projetar a voz, a presença do ator em cena, e é justamente aí que se faz importante um figurino elaborado, que acompanhe também esse movimento, para que não haja um desencontro entre o que está sendo mostrado em tela através dos figurinos e o que acontece na vida do personagem, assim prejudicando a imersão do espectador.
“Não é nada pessoal, Sonny. São apenas negócios.”
Michael Corleone
Como o figurino nos ajuda a compreender outros personagens na trama?
Outros personagens que possuem papel secundário em "O Poderoso Chefão" também são naturalmente influenciados por mudanças de figurino ao longo da trama. Para destacar um exemplo que busca contrapor a seriedade entregue por outros personagens, temos Fredo, o irmão mais velho de Michael.
Fredo aparece como uma figura insegura, boba e inocente no início da trama, sempre com trajes que beiram o caricato, vestido quase como um "bicheiro", com uma paleta de cores bem chamativa, pouco discreta.
Essa escolha de figurino não é à toa e surge para justamente descrever um personagem nitidamente diferente dos outros, alheio aos hábitos do crime organizado, aos códigos de vestimenta, de conduta. Trata-se de um sujeito à margem da família, desconexo e às vezes infantil, um "mané" por definição.
Ao compararmos as vestimentas dos personagens sérios, como Don Vito e Michael, com o de personagens como Fredo, que não possuem responsabilidades ou grandes deveres, vemos uma diferença pensada, para que justamente o espectador possa fazer essa relação e entender que Fredo não é um homem que busca ser levado à sério.
Apesar de hoje ser uma tendência na moda masculina o uso de rosa, provavelmente os mafiosos da família Corleone não olhavam com bons olhos para trajes nessa paleta, afinal, cores escuras transmitem a seriedade e a obscuridade que esses homens desejam passar.
Qual a importância do figurino em nossas vidas?
Já compreendemos a importância do figurino na produção de um filme, mas para além disso, devemos salientar o poder que essa ferramenta, a elaboração de trajes pensados, possui no nosso cotidiano.
O que vestimos define nossa aparência, e nossa aparência é uma síntese direta e imediata de quem nós somos, tanto que muitas vezes a primeira impressão é a que fica. Então, caso fôssemos um personagem de um filme, o que gostaríamos de contar aos nossos espectadores?
Como podemos fazer para que nosso armário comunique de forma consciente (e inconsciente) o tipo de pessoa que somos, as ambições e prioridades que temos?
Nesse sentido é importante pensarmos no que desejamos comunicar, pois como já aprendemos, o figurino é uma espécie de linguagem, um conjunto de itens que busca contar uma história, transmitindo nossa personalidade, gostos e desejos, uma vez que, querendo ou não, quando não temos um figurinista para montar nossos trajes, somos nós quem ativamente nos vestimos e decidimos como iremos sair de casa.
Dessa forma, vestir-se bem não se trata de um jogo com cartas marcadas, um roteiro pronto e universal, mas sim de um contexto pessoal a ser comunicado.
Então, cabe a pergunta, ó caro leitor, se você tivesse alguns trajes para contar sua história em seu filme, desenhando sua personalidade e demonstrando suas ambições, que peças você escolheria para sair hoje na rua?
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